sábado, 6 de março de 2010

"Calma, é só um treinamento"


O Jornal do Brasil do sábado passado (27 de fevereiro de 2010) trouxe uma grande foto estampada em sua primeira página, sobre a qual havia escrito o seguinte: “Os ianques não estão invadindo o Brasil, como brincaram alguns quando viram o porta-aviões americano na Baía de Guanabara. Ele participa de um treino com a Marinha Brasileira.” A foto mostra o enorme porta-aviões estadunidense, ancorado na Baía entre a pista do aeroporto Santos Dumont e a Ponte Rio-Niterói. Ainda estava lá no domingo, quando fiz a viagem Rio-Niterói-Rio. Sua localização chama a atenção de todos os que passam pela ponte, tão visível como nenhum navio da Marinha do Brasil esteve nos últimos anos. Não sei se hoje ainda está.

Mas o JB diz que devemos ficar tranquilos, que não é absolutamente nada. É só um treinamento... Levando em consideração a história das relações entre os EUA e a América Latina e suas guerras imperialistas pelo mundo afora, nada levaria a crer que se trata de “exercícios de treinamento”. Então, o que explicaria essa “boa vontade” do JB ao tratar da presença da Marinha do EUA na Baía de Guanabara, em local tão publicamente visível? Alguns indícios podem ajudar a explicar a questão. Talvez a parceria firmada entre o Jornal do Brasil e o New York Times – que frequentemente tem reportagens e artigos de suas páginas publicados no JB – determine, em alguma medida, sua “ingenuidade”. Certamente essa parceria envolve algum financiamento.

O fato é que, ao menos simbolicamente, se trata de mais do que um treinamento qualquer. No mínimo, é uma certa intimidação, que já foi realizada outras vezes recentemente. Mas é impossível analisar algo tão complexo como o imperialismo – de forma minimamente coerente – observando-se exclusivamente situações isoladas.

Desde o início do governo Obama, há uma escalada do imperialismo estadunidense. Em meio aos seus pomposos e bem elaborados discursos, os orçamentos para a defesa nacional (ou ataque?) têm sido recordistas, superiores até mesmo aos de seu antecessor, Bush filho. E, a cada ano, é sempre a mesma história. Obama aparece discursando belamente, dizendo que vai acabar com as guerras, que irá realizar cortes nos investimentos militares, que quer a paz mundial etc. etc., mas os orçamentos para a defesa nacional dos EUA só fazem aumentar. Em 2009, o orçamento do Pentágono para 2010 foi fechado em 534 bilhões de dólares! Em 2010, o governo Obama pede, para 2011, um orçamento de 708 bilhões de dólares para a defesa! Este seria mais um valor recorde, como diz a reportagem da Reuters publicada no Último Segundo.

Esses valores astronômicos têm sido empenhados pelo governo Obama de diversas formas: a ampliação do número de militares presentes em Afeganistão e Iraque; a instalação de novas bases militares dos EUA pelo mundo, como na Colômbia; ampliação das frentes de invasões e ocupações militares, como a que ocorreu recentemente no Haiti.

Lembro, também, que a passagem do submarino por águas latino-americanas coincide com a visita de Hillary Clinton, secretária de Estado do governo Obama, mas não por acaso. Representando a política externa dos EUA, veio dizer com quem os países da América Latina devem ou não relacionar-se, e ratificar que não devem desenvolver programas atômicos com fins militares, mas sim confiar plenamente na proteção imperialista estadunidense.

Com tudo o que tem acontecido mundo afora nos últimos anos, alguns amigos com quem debato ainda dizem que o conceito de imperialismo é ultrapassado, característico da passagem do século XIX para o século XX. Entendo que um conceito ou um método de analisar a realidade só podem ser considerados inúteis se não servem para explicar a realidade que pretendem explicar. O conceito de imperialismo, certamente, ainda contribui para a compreensão da realidade, muito para além das informações isoladas e fragmentadas com as quais nos deparamos cotidianamente. Bom, muito resumidamente, Lenin falava, em Imperialismo, fase superior do capitalismo, que se trata de uma fase do capitalismo em que se verifica o auge do processo de monopolização do capital industrial e sua relação íntima com o capital financeiro; analisava também o papel do Estado neste processo, como colaborador e meio de reprodução da acumulação de capital pelos monopólios, inclusive através de guerras e ocupações imperialistas. Se o capitalismo, em certos aspectos, modificou-se bastante desde o início do século XX aos dias atuais, em sua caracterização central não houve alterações.

Os cartéis internacionais mostram até que ponto crescem os monopólios, e quais são os objetivos da luta que se desenvolve entre os grupos capitalistas. (...) A forma de lutar pode mudar, e muda constantemente, de acordo com diversas causas, relativamente particulares e temporais, enquanto a essência da luta, o seu caráter de classe, não pode mudar enquanto subsistirem as classes. (1)

Lembro de um trecho do filme “Fahrenheit 9/11”, de Michael Moore – que tem os seus problemas, mas apresenta informações e conclusões iniciais interessantes –, em que Moore visita uma conferência à qual estão presentes os representantes de grandes empresas monopolistas para definir como irão participar da “reconstrução do Iraque”, após a invasão e ocupação militar realizada em nome das “armas de destruição em massa” inexistentes e da "difusão da democracia" pelo mundo, em que colocam fantoches dos interesses imperialistas para dirigirem os países dominados (lembrar do caso afegão).

O mito Obama

Obama tornou-se um mito, desde a época em que iniciava sua campanha e enchia de esperança pobres corações pelo mundo, desesperados pela aparição de algum salvador, algum ser lúcido que pudesse impedir, de alguma forma, os avanços do imperialismo dos EUA, baseados ainda em sua supremacia econômica e militar. Os belíssimos discursos para tantas milhares de pessoas em diversas partes do mundo foram emocionantes. Porém, não duraram muitos dias no governo. Hoje, boa parte daqueles que um dia acreditaram já se desiludiu completamente com a figura de Obama.

O mais cínico prêmio Nobel dos últimos anos foi entregue a Barack Obama. Ele recebeu o Nobel da Paz, mas no discurso de premiação justificou as suas guerras. É claro, não poderia ser diferente, para ser minimamente coerente. Sugiro a leitura do artigo de José Luís Fiori, na Carta Maior, que apresenta análises importantes:

A confusão já era grande, e ficou ainda maior, depois do discurso do presidente norte-americano, Barack Obama, em defesa da guerra, ao receber o Prêmio Nobel da Paz, de 2009. Como liberal, Obama poderia ter utilizado os argumentos do filósofo alemão, Immanuel Kant (1724-1804), que também defendeu, na sua época, a legitimidade das guerras, como meio de difusão da civilização européia, até que chegasse a hora da “paz perpétua”. Mas Obama preferiu voltar à Idade Média e recorrer às idéias de São Agostinho (354-430) e de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), sobre a legitimidade moral das “guerras justas”. (2)

O maior aprendizado, certamente: nossos sonhos não cabem nas urnas! Jamais caberão. Não virá nenhum salvador, nenhum grande personagem histórico, nenhum milagre. Nada disso. As eleições são somente uma pequena parte de todo um processo necessário a qualquer grande transformação social, que precisa de bases reais para concretizar-se. Ou fazemos acontecer, ou será desilusão atrás de desilusão.


Notas:

(1) http://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/cap5.htm (grifos meus)

(2) http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4496

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