sábado, 4 de setembro de 2010

Coisas da terra

Todas as coisas de que falo estão na cidade
...entre o céu e a terra.
São todas elas coisas perecíveis
...e eternas como o teu sorriso
...a palavra solidária
...minha mão aberta
ou este esquecido cheiro de cabelo
...que volta
...e acende sua flama inesperada
no coração de maio.

Todas as coisas de que falo são de carne
...como o verão e o salário.
Mortalmente inseridas no tempo,
estão dispersas como o ar
no mercado, nas oficinas,
nas ruas, nos hotéis de viagem.

...São coisas, todas elas,
...cotidianas, como bocas
...e mãos, sonhos, greves,
...denúncias,
acidentes de trabalho e do amor. Coisas,
...de que falam os jornais
...às vezes tão rudes
...às vezes tão escuras
que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade.

...Mas é nelas que te vejo pulsando,
...mundo novo,
ainda em estado de soluços e esperança.

(Ferreira Gullar, Dentro da noite veloz)