sábado, 4 de setembro de 2010

Coisas da terra

Todas as coisas de que falo estão na cidade
...entre o céu e a terra.
São todas elas coisas perecíveis
...e eternas como o teu sorriso
...a palavra solidária
...minha mão aberta
ou este esquecido cheiro de cabelo
...que volta
...e acende sua flama inesperada
no coração de maio.

Todas as coisas de que falo são de carne
...como o verão e o salário.
Mortalmente inseridas no tempo,
estão dispersas como o ar
no mercado, nas oficinas,
nas ruas, nos hotéis de viagem.

...São coisas, todas elas,
...cotidianas, como bocas
...e mãos, sonhos, greves,
...denúncias,
acidentes de trabalho e do amor. Coisas,
...de que falam os jornais
...às vezes tão rudes
...às vezes tão escuras
que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade.

...Mas é nelas que te vejo pulsando,
...mundo novo,
ainda em estado de soluços e esperança.

(Ferreira Gullar, Dentro da noite veloz)

domingo, 11 de julho de 2010

As transformações da experiência docente, saber escolar e saber docente

O texto a seguir foi preparado em maio como um pequeno trabalho para o curso de especialização em Ensino de História do CESPEB, criado por um grupo de professores da Faculdade de Educação da UFRJ. Por esse motivo é que se refere diretamente aos professores de História e não aos outros professores e funcionários, também fundamentais para o sistema educacional, é óbvio.


“Os professores de História não são apenas necessários,

são fundamentais”[1]


Em dois meses de curso, posso notar algumas transformações importantes e positivas em minha relação com a docência. Muitas reflexões iniciadas anteriormente aprofundam-se, outras são provocadas a partir das aulas, debates e leituras. Iniciava minha Carta-Justificativa apresentando-me, Professor da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro, formado em julho de 2008 e lecionando a partir de agosto de 2008. Desde então, a prática docente tem sido uma fonte incrível de acúmulo de experiências diversas, sobre as quais o curso cria um espaço de reflexão. Sobre este aspecto – minha experiência durante esse período, um ano e nove meses – gostaria de fazer alguns comentários.

Lembro do momento de transição abrupta da posição de aluno para professor. Além do estranhamento de assumir quatro turmas pela primeira vez (acompanhado de uma nítida sensação de não estar tão preparado para a docência) e começar a autoconstrução como professor, este sentimento relacionava-se a quase todos os componentes da nova realidade vivida. Fiquei intensamente impressionado com a situação real da educação pública destinada à classe trabalhadora – é evidente, um estudante universitário que se prepara para ser professor e tem origem na classe média ouve, vê e lê sobre a precariedade das condições da educação pública, mas nada se compara a viver dentro desta realidade. Estudei no Colégio Pedro II, uma escola pública, mas de caráter bastante diferenciado em relação às redes públicas estadual e municipal do Rio de Janeiro, o que não me permitia ter contato direto com esta realidade que encontrei em 2008[2].

Além das condições estruturais precárias, encontrei uma realidade em que aqueles que dão vida e sentido ao espaço da escola – alunos, professores e funcionários – estão desmotivados e desanimados, em sua maioria bastante distantes de qualquer perspectiva que compreenda a atuação na escola como produtora de conhecimento e modos de ser no mundo. A primeira reação (que, hoje, considero natural) de um professor recém-formado e pleno de vontade de conhecer a fundo o mundo da docência para aperfeiçoar-se nele é criar uma certa rejeição a esse posicionamento, especialmente em relação aos profissionais de Educação. No entanto, passados quase dois anos, compreendo o sentido dessa acomodação, apesar de lutar diariamente para que se torne consenso a noção de que essa acomodação resignada quanto à educação pública é, também, co-responsável pelos imensos problemas vividos no cotidiano escolar e na vida profissional dos professores.

Conhecer de perto a realidade dura da vida de boa parte dos alunos da Rede Municipal – especificamente dos alunos da escola em que leciono, E.M. Jardim Guararapes, localizada em Inhoaíba, e da E.M. Silvia de Araújo Toledo (em que lecionei em 2008 e 2009), em Paciência (Cezarão) – também foi transformador. Os impactos diversos da pobreza material, a violência intensa vivida nestas comunidades, os problemas familiares dos jovens e todas as conseqüências que trazem estes problemas para sua vida estudantil (profundo desânimo e desinteresse), para a escola e a sala de aula.

Hoje sei melhor qual deve ser minha posição dentro da escola e como devo nortear minha relação com os demais professores, funcionários da escola e com os alunos. Assumo a Educação como compromisso, e sei que não estamos sozinhos, são muitos os que batalham pela qualidade da educação pública. Neste sentido é que me posiciono, atualmente, no debate sobre as fases da carreira do professor[3]. Depois de um período inicial em que predominava o estranhamento, hoje reafirmo a certeza de seguir o caminho da docência pela vida.

Seguindo a ordem de exposição na Carta-Justificativa, apresentava nela minha perspectiva sobre a formação continuada. O que dizia não era muito profundo, pois não havia acumulado muitas reflexões sobre o tema. Mais importante era o que não foi escrito, mas foi apresentado na entrevista. Compreendia esta etapa da formação, o curso de Ensino de História do CESPEB, como a etapa em que de fato tornaria mais complexa minha concepção sobre a docência, sem valorizar tanto a experiência prática e teórica acumulada nos meses de magistério (e, ainda, atribuindo à formação inicial uma responsabilidade maior do que a devida pelos problemas enfrentados diante do início na prática docente).

Neste aspecto, o curso efetivamente apresentou-me uma nova perspectiva teórica sobre a experiência prática do professor e sua relação com o conhecimento científico com o qual tem contato direto em sua formação inicial universitária. Os conceitos de saber escolar e saber docente representam de forma mais elaborada essa perspectiva. O saber escolar, segundo Ana Maria Monteiro,

designa o conhecimento relacionado com o ‘saber científico’ que está sendo ensinado, porém distinto deste último. Ele é criado a partir das necessidades e injunções do processo educativo e, como tal, abrange questões que surgem no ato do ensino, envolve conhecimento científico e saber cotidiano, além dos aspectos socioculturais relativos a cada situação. O conceito contesta assim as concepções que, considerando apenas o conhecimento científico, desqualificam o trabalho dos professores e a educação escolar em geral.[4]

Portanto, valoriza-se a escola como espaço de produção de conhecimento, e não apenas como espaço de recepção dos conhecimentos produzidos pelos pesquisadores universitários. Quebra, em alguma medida, a relação unilateral e hierárquica afirmada por muitos que entendem a relação entre universidade e escola como uma relação entre conhecimento científico produzido na academia e seu espaço de divulgação, a escola.

Especificamente quanto ao conhecimento produzido pelos professores no ensino de sua disciplina científica, apresenta-se o conceito de saber docente:

o conceito de saber docente joga luz sobre o ato de ensinar, principalmente quanto aos saberes práticos considerados fundamentais para a atuação profissional. Como as situações de ensino e aprendizagem se renovam continuamente, o simples domínio dos conteúdos a serem ensinados não é suficiente. É necessário articular o conhecimento da matéria em questão com o conhecimento pedagógico, de modo a se estabelecer adequadamente e com certa autonomia, o que e como ensinar.[5]

O conceito de saber docente, deste modo, valoriza a relação dialética – vivida na prática cotidiana do professor – por meio da qual este precisa sempre criar um novo conhecimento a partir do conhecimento científico de sua disciplina e as necessidades apresentadas pelas diversas situações de ensino que devemos enfrentar. Por fim,

O emprego desses conceitos amplia imensamente o conhecimento do processo pedagógico, mostrando como os professores acumulam e combinam diferentes saberes disciplinares, além de sua própria experiência, de acordo com as necessidades de cada caso. Tais conceitos revelam a complexidade, insuspeitada por muitos, do processo educacional, inclusive por implicar escolhas metodológicas e teóricas; seleção de conteúdos, organização de textos, modo de explicar e ensinar os conceitos, de lidar com a noção de tempo, escolha de exemplos, de fontes documentais, de materiais didáticos, além das questões relativas ao desempenho em sala de aula: limitam-se a seguir propostas contidas nos livros didáticos? Adotam a ‘aula magistral’?[6]

Enfim: os conceitos de saber escolar e saber docente provocam reflexões importantes para a compreensão da profissão docente, assim como constituem um chão firme de valorização da produção de conhecimento da escola e do professor, a partir da qual, conscientemente ou não, os professores constroem seus caminhos. Em meio ao aparente caos econômico, cultural e político que vive nossa sociedade, reafirmo as palavras citadas na epígrafe: “os professores de História não são apenas necessários, são fundamentais”.


Referências bibliográficas

HUBERMAN, Michael, “O ciclo de vida profissional dos professores” in NÓVOA, Antonio (org.), Vida de professores, 2ª Ed., Porto: Porto Editora, 1995, p. 31-62.

MONTEIRO, Ana Maria, “Os professores de história ainda são necessários?” in Revista Nossa História, Ano I, Número 5, Março de 2004, pp. 85-87.



[1] MONTEIRO, Ana Maria, “Os professores de história ainda são necessários?” in Revista Nossa História, Ano I, Número 5, Março de 2004, p. 87.

[2] A discussão sobre o caráter do Colégio Pedro II e outras escolas públicas – em geral, federais – que atendem predominantemente a alunos de classe média é importante para a compreensão do projeto educacional do Estado e sua relação com as classes sociais, mas este não é o objetivo do atual trabalho.

[3] Este debate sobre o “estágio” do professor em sua carreira encontra-se em HUBERMAN, Michael, “O ciclo de vida profissional dos professores” in NÓVOA, Antonio (org.), Vida de professores, 2ª Ed., Porto: Porto Editora, 1995, p. 31-62.

[4] MONTEIRO, idem, p. 86.

[5] MONTEIRO, idem, p. 87.

[6] Idem, Ibidem.



sábado, 19 de junho de 2010

82 anos do nascimento de Che Guevara

http://sindicalismomilitante.blogspot.com/

Nesta última segunda-feira, dia 14 de junho, Che - ou Ernesto Guevara de la Serna - completaria 82 anos. Como uma pequena homenagem, reproduzimos as palavras a seguir, certos de que sua vida e seu exemplo continuarão a inspirar as gerações futuras na luta contra a exploração, a injustiça e a miséria, mantendo viva a chama da liberdade.

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MST - O militante revolucionário Ernesto Che Guevara, que se tornou símbolo da luta pelo socialismo na América Latina e no mundo, completaria 82 anos nesta segunda-feira.

Ernesto Guevara de la Serna nasceu em 14 de junho de 1928, em Rosário, na Argentina. Foi o primeiro dos cinco filhos de Ernesto Lynch e Celia de la Serna y Llosa.

Por que recordar de Che? Porque ele dedicou toda sua vida para uma causa do povo. Deixou-nos um legado de solidariedade incondicional com todos os oprimidos e de compromisso com as lutas pela libertação dos povos. Grandioso, mas humilde.

Nunca permitiu que o transformassem em um mito. Se quisermos uma referência de um militante ou dirigente, sem dúvida, devemos olhar para Che. Ele é um exemplo de superação dos próprios limites. E o fez não por vaidade pessoal ou por inconseqüente heroísmo, mas por um profundo amor à humanidade.

Para homenagear a memória de Che, não basta conhecer sua biografia. É preciso seguir pela trilha dos seus passos, buscando a cada dia ser melhor no seu trabalho, na prática militante, nos estudos e na convivência.

Abaixo, leia poema de Eduardo Galeano em homenagem a Che.

O NASCEDOR

Por que será que o Che
Tem este perigoso costume
De seguir sempre renascendo?
Quanto mais o insultam,
O manipulam
O atraiçoam
Mais ele renasce.
Ele é o mais renascedor de todos!
Não será por que Che
Dizia o que pensava e fazia o que dizia?
Não será por isso que segue sendo
tão extraordinário,
Num mundo onde palavras
e atos tão raramente se encontram?
E quando se encontram
raramente se saúdam
Por que não se reconhecem?


Fonte: Diário Liberdade (http://www.diarioliberdade.com/) e MST (http://www.mst.org.br/)

sábado, 12 de junho de 2010

Comentários sobre a copa do mundo

Ontem assisti na tv a um trecho editado da entrevista coletiva do Maradona (acho que deve ter sido a última antes do jogo de estréia). Perguntaram a ele se os jogadores argentinos estavam sentindo-se muito pressionados, a que o técnico argentino respondeu o seguinte: pressionados são os trabalhadores que durante o dia trabalham para garantir sua sobrevivência; os jogadores são cobrados por suas responsabilidades. Acho que foi uma diferenciação lúcida em meio ao espetacular e milionário/bilionário mundo do futebol da copa do mundo.

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No jogo Argentina x Nigéria vi ao menos duas marcas bem conhecidas dos brasileiros estampadas nas placas de publicidade do gramado, Brahma (Ambev) e Seara. Em certa medida, essa novidade demonstra a atual posição do Brasil na economia capitalista mundial, no imperialismo - claro, o fato de as marcas dependerem bastante das vendas no Brasil não significa que seu capital seja predominantemente brasileiro.

A posição protagonista do Brasil também fica evidente, por exemplo, com a liderança exercida na Minustah (que tem início no governo Lula), a missão da ONU que é uma das principais razões da continuidade da miséria do Haiti. Por um lado, constitui um enorme aparato policial instalado para controlar e reprimir a população haitiana, por outro, incentiva e inunda o Haiti de ONGs que realizam, fundamentalmente, trabalhos de caridade. Essa combinação impede avanços na construção e consolidação do Estado haitiano e, ao mesmo tempo, busca neutralizar as iniciativas de organização dos haitianos que lutam pela transformação da realidade miserável do país.

A posição destacada na economia internacional não tem servido para combater significativamente a desigualdade social no Brasil. O "apartheid social" será mantido enquanto o projeto de sociedade hegemônico não preveja o fim das diferenças econômicas entre as classes sociais.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Novos Baianos





E viva o Youtube! Sempre se encontra muita gente boa gravando músicas de forma caseira, bem simples mesmo. Claro, algumas gravações são bem toscas, mas muitas são ótimas!





sexta-feira, 9 de abril de 2010

As chuvas, o proletariado e a responsabilidade de Lula, Cabral e Paes na tragédia do Rio de Janeiro


No início da noite de segunda-feira, 5 de abril, várias cidades do Estado do Rio de Janeiro sofreram com as intensas chuvas. Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e outras cidades pararam por conta dos estragos produzidos por tanta água. Os mortos confirmados já são quase duzentos, até o momento. Outras centenas ou milhares - este número é ainda mais impreciso - estão desabrigados.

Neste momento, é necessário apontar os responsáveis por tamanha tragédia. A imensa maioria dos que mais sofreram com o temporal é a parte dos mais pobres trabalhadores que moram nas favelas, mais especificamente nos locais que apresentam riscos de desabamento. O que sabemos é: moram nestes locais porque são a parte mais proletarizada da população, porque compõem o setor da classe trabalhadora mais afetado pelo desemprego e pela super-exploração do trabalho, porque seus salários não permitem mais que estabelecer a moradia em local tão arriscado! Jamais porque são “loucos, irresponsáveis e suicidas”, como afirma o governador do Estado do RJ, Sergio Cabral/PMDB, de forma absolutamente desumana e descompromissada com as condições de vida da classe trabalhadora.

O prefeito Eduardo Paes/PMDB preferiu culpar a natureza e sua tremenda força, eximindo-se de toda a responsabilidade – assim como é responsabilidade de Cabral e Lula – com a realização de políticas públicas que atendam aos interesses de moradia mais imediatos desses trabalhadores, como contenção de encostas, urbanização de favelas, sistema de drenagem etc. Fica nítido o descaso dos governantes ao revelar a contenção de investimentos públicos, que acarreta a precarização de áreas como a Defesa Civil. As autoridades solicitam à população para não telefonar para a Defesa Civil em caso de situação que não tenha "tanta emergência".

O presidente Lula/PT seguiu a linha já traçada por seus grandes aliados no Rio de Janeiro. Concordando com Cabral, disse que se analisarmos “todas as enchentes brasileiras, elas atingem sempre as pessoas pobres, que moram em locais inadequados". Confirma, portanto, a tese de culpabilização das vítimas. Diz que “o mais importante nessa história é que precisamos conscientizar a população para que deixe as áreas de risco”, ou seja, que abandonem suas casas e tudo aquilo que conseguiram conquistar com seu duro trabalho, sem qualquer garantia de que estará tudo lá quando retornarem.

Lula diz ainda que as chuvas não preocupam seus interesses nos eventos de 2014 e 2016, pois “não chove todo dia, quando acontece uma desgraça, acontece; normalmente, os meses de junho e julho são mais tranqüilos”. Portanto, contanto que em junho e julho de 2014 e 2016, a cidade esteja preparada para receber a Copa e a Olimpíada, não importa o sofrimento da população nos outros dias. Até mesmo o falso argumento do “legado dos grandes eventos esportivos” utilizado pelos governantes e pelo grande capital para justificar a importância desses eventos na vida do proletariado – que não usufruirá de seu verniz – cai por terra de vez. Tudo estará funcionando em junho e julho de 2014/2016, com todos os bilhões que serão transferidos pelo Estado (governos federal, estadual e municipal) à burguesia nacional e internacional, nessa relação íntima entre governos e capital que inclui, por exemplo, o financiamento das campanhas eleitorais de PT e PSDB, os partidos brasileiros que mantêm a força da ordem burguesa no país atualmente.

Lula, Cabral e Paes são os verdadeiros culpados pela amplitude dos desastres, assim como os governos anteriores que serviram aos interesses burgueses e corruptos. Nada fizeram para melhorar estruturalmente as condições de vida e moradia do proletariado que vive em áreas que ameaçam sua própria sobrevivência e ainda culpam os mortos pela tragédia ocorrida.

É muito importante perceber os projetos sociais que estão em luta: de um lado, o projeto dos capitalistas e dos governos burgueses, que desejam expulsar os favelados de seu local de moradia, motivados por diversos interesses, como a expansão imobiliária nessas regiões (a que se relaciona a imagem da favela criminalizada e de fato alvo da violência policial, do tráfico e de milícias); de outro lado, o projeto do proletariado, que de imediato exige a melhoria de suas condições de vida e moradia, mas tem como objetivo final aquilo que possibilitará o fim das condições sociais que generalizam todas estas tragédias: o fim das condições sociais que causam sua miséria.

Fundamentalmente, são estas condições sociais (que fazem com que o proletariado recorra à moradia nos locais de risco) que precisam ser combatidas. Este é o horizonte necessário que não pode sair de vista de todos aqueles que sentem profundamente as perdas humanas e sociais e lamentam diante das terríveis reações dos governantes burgueses. O objetivo final de nossa luta, para além da necessária melhoria imediata das condições de vida dos trabalhadores que habitam as regiões mais precárias, precisa ser o fim da sociedade de classes!


Coletivo Marxista

segunda-feira, 8 de março de 2010

8 de março: lutar contra a opressão da mulher é lutar contra o capitalismo!


Declaração do Coletivo Marxista sobre o

Dia Internacional de Luta da Mulher

Neste ano de 2010 completam-se 100 anos da II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, ocasião em que a militante alemã Clara Zetkin propôs a criação oficial do Dia Internacional das Mulheres. Por mais que ainda haja diferentes versões sobre o momento exato da definição do dia 8 de março para a data e mesmo sobre o motivo da escolha desse dia, não há dúvidas de que sua origem remonta às lutas das mulheres trabalhadoras em todo o mundo. Marco da unificação do movimento feminista revolucionário internacional em sua luta contra o machismo e pela superação do capitalismo, o 8 de março é um dia de luta da mulher trabalhadora, e esse caráter deve ser defendido contra as permanentes tentativas da burguesia de se apropriar da data - seja para transformá-la em mais um dia para aquecer vendas ou, principalmente, difundir a ilusão conciliatória de que “as mulheres já conquistaram seu espaço” no capitalismo.

A situação das mulheres nos dias atuais só pode ser compreendida a partir de uma reflexão profunda sobre a estrutura do sistema em que vivemos. Diante das mais variadas expressões da brutalidade e violência capitalistas, não é preciso muito esforço para perceber que são as mulheres trabalhadoras, setor mais explorado da classe, que sofrem suas conseqüências com maior dureza. Ainda hoje, é comum que mulheres recebam salários mais baixos do que os homens, mesmo desempenhando funções iguais. Esse simples dado evidencia como o machismo é um instrumento necessário ao capitalismo, à medida que garante maiores taxas de lucro a partir da superexploração das mulheres.

É claro que, à exploração econômica, somam-se os estereótipos e convenções sociais que definem o lugar da mulher na sociedade com vistas à manutenção da estrutura dessa própria sociedade. Naturaliza-se a responsabilidade feminina pelas tarefas domésticas, naturalizam-se as duplas ou triplas jornadas a que estão submetidas as mulheres trabalhadoras diante da ausência de serviços públicos de qualidade, naturaliza-se a mercantilização de seus corpos e de suas vidas pela publicidade. Naturaliza-se a ideia de que à mulher compete o ambiente privado, seja através das formas mais tradicionais de submissão ao ambiente patriarcal ou através de sua roupagem ‘moderna’: a sua conversão em objeto de consumo.

Se pensarmos a situação das mulheres a partir de sua relação com a sociedade em que estão inseridas, entenderemos porque o debate de gênero só pode ser feito de maneira conseqüente se estiver aliado a uma perspectiva de classe. A superação da desigualdade entre homens e mulheres só pode ser alcançada através da superação da própria sociedade de classes. Igualmente, a luta feminista é um elemento indispensável para a luta contra o capitalismo, que expõe suas contradições de maneira decisiva e é capaz de dar respostas conseqüentes às mulheres que sofrem na pele as diárias manifestações da opressão.

Justamente por isso, as lutas feministas precisam ser inseridas na conjuntura, na concreticidade da luta de classes. Uma luta feminista conseqüente, classista e revolucionária passa, hoje, pelo necessário combate às reformas neoliberais do governo Lula/PT. As reformas que retiram direitos dos trabalhadores atingirão, sem dúvida, de forma ainda mais violenta, as mulheres. É precisamente a ausência de políticas públicas para saúde, educação, transporte, moradia e trabalho que impõe às mulheres duplas ou triplas jornadas de trabalho. Da mesma forma, a política externa de Lula/PT, que aplica os interesses imperialistas através do envio de tropas militares ao Haiti, não só é responsável pela manutenção da situação de miséria e exploração dos trabalhadores daquele país como também pela submissão de milhares de trabalhadoras a brutais (e notórias) situações de violência sexual praticadas pelos soldados invasores.

Não há como não citar, também, os inadmissíveis casos da ingerência do Estado sobre o corpo e a vida das mulheres. A luta pela legalização do aborto deve ser pauta das mobilizações feministas, em defesa da saúde de milhares de mulheres trabalhadoras que morrem ou ficam com graves seqüelas em decorrência da realização de abortos clandestinos. É uma dura batalha que o movimento deve travar, contra a moral católica e machista que naturaliza a maternidade e nega às mulheres o direito de decidir se e quando serão mães. E, mais uma vez, também nesse aspecto o governo Lula revela com quem está verdadeiramente comprometido. Em seu último ano de mandato, apresenta timidamente o debate sobre a legalização do aborto na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), no que recua após a primeira manifestação contrária da Igreja Católica e demais setores conservadores. A candidata do governo à presidência, Dilma Roussef, já declarou, para acalmar os ânimos de seus aliados, que o tema a legalização do aborto não faz parte de seu programa de governo.

Diante de tantos elementos para denúncia da política opressora de Lula/PT na luta feminista, é obrigação da esquerda revolucionária imprimir um caráter abertamente anti-governista aos atos do 8 de março. Nós, do Coletivo Marxista, acreditamos que a luta feminista só tem sentido se inserida na luta de classes, e por isso chamamos todos os companheiros e companheiras a construir o feminismo revolucionário a partir da concreticidade da luta de classes, derrotando Lula/PT e suas políticas de ataque à mulher trabalhadora. Não queremos incluir as mulheres nesta sociedade cruel e opressora. Queremos, isso sim, que as mulheres se libertem destruindo esta sociedade e construindo o socialismo!

‘A nossa luta é todo dia! Somos mulheres, e não mercadoria!’

Coletivo Marxista


http://coletivomarxista.blogspot.com/2010/03/8-de-marco-lutar-contra-opressao-da.html

sábado, 6 de março de 2010

"Calma, é só um treinamento"


O Jornal do Brasil do sábado passado (27 de fevereiro de 2010) trouxe uma grande foto estampada em sua primeira página, sobre a qual havia escrito o seguinte: “Os ianques não estão invadindo o Brasil, como brincaram alguns quando viram o porta-aviões americano na Baía de Guanabara. Ele participa de um treino com a Marinha Brasileira.” A foto mostra o enorme porta-aviões estadunidense, ancorado na Baía entre a pista do aeroporto Santos Dumont e a Ponte Rio-Niterói. Ainda estava lá no domingo, quando fiz a viagem Rio-Niterói-Rio. Sua localização chama a atenção de todos os que passam pela ponte, tão visível como nenhum navio da Marinha do Brasil esteve nos últimos anos. Não sei se hoje ainda está.

Mas o JB diz que devemos ficar tranquilos, que não é absolutamente nada. É só um treinamento... Levando em consideração a história das relações entre os EUA e a América Latina e suas guerras imperialistas pelo mundo afora, nada levaria a crer que se trata de “exercícios de treinamento”. Então, o que explicaria essa “boa vontade” do JB ao tratar da presença da Marinha do EUA na Baía de Guanabara, em local tão publicamente visível? Alguns indícios podem ajudar a explicar a questão. Talvez a parceria firmada entre o Jornal do Brasil e o New York Times – que frequentemente tem reportagens e artigos de suas páginas publicados no JB – determine, em alguma medida, sua “ingenuidade”. Certamente essa parceria envolve algum financiamento.

O fato é que, ao menos simbolicamente, se trata de mais do que um treinamento qualquer. No mínimo, é uma certa intimidação, que já foi realizada outras vezes recentemente. Mas é impossível analisar algo tão complexo como o imperialismo – de forma minimamente coerente – observando-se exclusivamente situações isoladas.

Desde o início do governo Obama, há uma escalada do imperialismo estadunidense. Em meio aos seus pomposos e bem elaborados discursos, os orçamentos para a defesa nacional (ou ataque?) têm sido recordistas, superiores até mesmo aos de seu antecessor, Bush filho. E, a cada ano, é sempre a mesma história. Obama aparece discursando belamente, dizendo que vai acabar com as guerras, que irá realizar cortes nos investimentos militares, que quer a paz mundial etc. etc., mas os orçamentos para a defesa nacional dos EUA só fazem aumentar. Em 2009, o orçamento do Pentágono para 2010 foi fechado em 534 bilhões de dólares! Em 2010, o governo Obama pede, para 2011, um orçamento de 708 bilhões de dólares para a defesa! Este seria mais um valor recorde, como diz a reportagem da Reuters publicada no Último Segundo.

Esses valores astronômicos têm sido empenhados pelo governo Obama de diversas formas: a ampliação do número de militares presentes em Afeganistão e Iraque; a instalação de novas bases militares dos EUA pelo mundo, como na Colômbia; ampliação das frentes de invasões e ocupações militares, como a que ocorreu recentemente no Haiti.

Lembro, também, que a passagem do submarino por águas latino-americanas coincide com a visita de Hillary Clinton, secretária de Estado do governo Obama, mas não por acaso. Representando a política externa dos EUA, veio dizer com quem os países da América Latina devem ou não relacionar-se, e ratificar que não devem desenvolver programas atômicos com fins militares, mas sim confiar plenamente na proteção imperialista estadunidense.

Com tudo o que tem acontecido mundo afora nos últimos anos, alguns amigos com quem debato ainda dizem que o conceito de imperialismo é ultrapassado, característico da passagem do século XIX para o século XX. Entendo que um conceito ou um método de analisar a realidade só podem ser considerados inúteis se não servem para explicar a realidade que pretendem explicar. O conceito de imperialismo, certamente, ainda contribui para a compreensão da realidade, muito para além das informações isoladas e fragmentadas com as quais nos deparamos cotidianamente. Bom, muito resumidamente, Lenin falava, em Imperialismo, fase superior do capitalismo, que se trata de uma fase do capitalismo em que se verifica o auge do processo de monopolização do capital industrial e sua relação íntima com o capital financeiro; analisava também o papel do Estado neste processo, como colaborador e meio de reprodução da acumulação de capital pelos monopólios, inclusive através de guerras e ocupações imperialistas. Se o capitalismo, em certos aspectos, modificou-se bastante desde o início do século XX aos dias atuais, em sua caracterização central não houve alterações.

Os cartéis internacionais mostram até que ponto crescem os monopólios, e quais são os objetivos da luta que se desenvolve entre os grupos capitalistas. (...) A forma de lutar pode mudar, e muda constantemente, de acordo com diversas causas, relativamente particulares e temporais, enquanto a essência da luta, o seu caráter de classe, não pode mudar enquanto subsistirem as classes. (1)

Lembro de um trecho do filme “Fahrenheit 9/11”, de Michael Moore – que tem os seus problemas, mas apresenta informações e conclusões iniciais interessantes –, em que Moore visita uma conferência à qual estão presentes os representantes de grandes empresas monopolistas para definir como irão participar da “reconstrução do Iraque”, após a invasão e ocupação militar realizada em nome das “armas de destruição em massa” inexistentes e da "difusão da democracia" pelo mundo, em que colocam fantoches dos interesses imperialistas para dirigirem os países dominados (lembrar do caso afegão).

O mito Obama

Obama tornou-se um mito, desde a época em que iniciava sua campanha e enchia de esperança pobres corações pelo mundo, desesperados pela aparição de algum salvador, algum ser lúcido que pudesse impedir, de alguma forma, os avanços do imperialismo dos EUA, baseados ainda em sua supremacia econômica e militar. Os belíssimos discursos para tantas milhares de pessoas em diversas partes do mundo foram emocionantes. Porém, não duraram muitos dias no governo. Hoje, boa parte daqueles que um dia acreditaram já se desiludiu completamente com a figura de Obama.

O mais cínico prêmio Nobel dos últimos anos foi entregue a Barack Obama. Ele recebeu o Nobel da Paz, mas no discurso de premiação justificou as suas guerras. É claro, não poderia ser diferente, para ser minimamente coerente. Sugiro a leitura do artigo de José Luís Fiori, na Carta Maior, que apresenta análises importantes:

A confusão já era grande, e ficou ainda maior, depois do discurso do presidente norte-americano, Barack Obama, em defesa da guerra, ao receber o Prêmio Nobel da Paz, de 2009. Como liberal, Obama poderia ter utilizado os argumentos do filósofo alemão, Immanuel Kant (1724-1804), que também defendeu, na sua época, a legitimidade das guerras, como meio de difusão da civilização européia, até que chegasse a hora da “paz perpétua”. Mas Obama preferiu voltar à Idade Média e recorrer às idéias de São Agostinho (354-430) e de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), sobre a legitimidade moral das “guerras justas”. (2)

O maior aprendizado, certamente: nossos sonhos não cabem nas urnas! Jamais caberão. Não virá nenhum salvador, nenhum grande personagem histórico, nenhum milagre. Nada disso. As eleições são somente uma pequena parte de todo um processo necessário a qualquer grande transformação social, que precisa de bases reais para concretizar-se. Ou fazemos acontecer, ou será desilusão atrás de desilusão.


Notas:

(1) http://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/cap5.htm (grifos meus)

(2) http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4496

segunda-feira, 1 de março de 2010

Glorioso campeão, o "chororô" dos rivais, Pet e o socialismo


“Na estrada dos louros
um facho de luz,
tua estrela solitária
te conduz.”
(Hino popular do Glorioso, de Lamartine Babo num dia inspirado)

O Botafogo, vencendo os campeões da primeira e da segundona, mais uma vez é o campeão da Taça Guanabara. Admito, com um futebol bastante feio, mas com muito mais vontade do que Flamengo – time de ressaca do carnaval, aparentemente ainda estava com alto teor alcoólico no sangue – e Vasco – assim como o Botafogo, de qualidade duvidosa. Parabéns ao Fogão!

Como muitos, eu também sempre desconfiei um pouco do Joel Santana. Neste momento, não há como negar que ele deu outra cara ao time do Botafogo, muito mais aguerrido do que tem sido nos últimos tempos. Talvez seja o início do fim da marca do “chororô” entre os botafoguenses, pois tenho a impressão de que essa foi muito influenciada pelo comando do Cuca, marca esta que os outros times posteriores do Bota não conseguiram abandonar completamente.

Por alguns dias sentimos e sentiremos o “chororô” de todos os que gozaram o Fogão por este nome – especialmente os flamenguistas, os mais fanáticos (no mau sentido) e esnobes. Beleza. Aprenderão e serão lembrados diversas vezes que não se ganha sempre. O Flamengo ainda conseguiu ganhar o jogo da Libertadores; vamos ver como irá daqui pra frente. Seria ótimo enfrentá-los na final do Taça Rio... Conhecendo bem, se perderem dirão que “é porque estamos priorizando a Libertadores, o Estadual não vale nada."

Pra finalizar (sobre o Bota), algumas citações que estão à altura do Glorioso (1):

“No Rio, a formação da identidade passa, também, pela eleição de um time de futebol. O poeta, fiel à sua infância, escolhe o Botafogo Futebol Clube. Não frequenta os estádios. Não lê o noticiário esportivo. Não ouve as transmissões pelo rádio. Mas, se perguntam seu time, afirma: ‘Botafogo’. Não se trata de uma paixão, mas de uma senha para a cidadania.”

Vinicius de Moraes

“Botafogo é um menino de rua perdido na poética dramaticidade do futebol.”

Paulo Mendes Campos

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Em meio ao "chororô" no Estadual, os flamenguistas podem, ao menos, ficar felizes por terem em seu time o jogador mais consciente do campeonato. O Pet defendendo o socialismo – mesmo que em poucas palavras, de forma bem simples, sem problematizar muito – na Globo (profundamente anti-comunista e anti-socialista), diante da Ana Maria Braga, foi bem bonito de se ver. Ele diz, sobre a Iugoslávia: “Quando nasci não tinha dificuldade nenhuma, era um país maravilha. A gente vivia um regime socialista, todo mundo bem, todo mundo trabalhando, tem trabalho, tem salário. Problemas aconteceram depois dos anos 80.”


Nota:

(1) Citações emprestadas de Botafogo: entre o céu e o inferno, do jornalista Sérgio Augusto, Ed. Ediouro, 2004.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O carnaval e o "choque de ordem"

Já é a semana do carnaval – na verdade, do seu início oficial, pois o pré-carnaval já rola há algum tempo. O carnaval deste ano parece ter um caráter nitidamente diferente de anos anteriores, particularmente no que diz respeito à inclusão definitiva do “carnaval de rua” na pauta do “choque de ordem” da prefeitura do Rio de Paes.

A mercantilização do carnaval já é tema batido nas discussões carnavalescas e visível há tempos, o que tem feito – coisa já de muitos anos – diversos sambistas das gerações mais antigas, acostumados a uma relativa independência em relação aos interesses capitalistas e ao caráter popular da festa, se afastarem da celebração oficial do carnaval. Um deles é Elton Medeiros, que compôs a belíssima "Sem Ilusão" (está logo abaixo). Essa percepção é clara no que diz respeito ao carnaval oficial das escolas de samba e tal, desde que se distingue este tipo do “carnaval de rua”.

Sem Ilusão (Elton Medeiros)
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A novidade deste ano, a julgar pelo que é possível observar no “carnaval de rua”, parece ser a agressiva mercantilização, também, deste tipo. Há alguns anos, o “carnaval de rua” andava bem esquecido, quase todo mundo queria viajar, ir para a região dos lagos – no caso do RJ. Isto tem mudado bastante nos últimos anos. Todo ano surgem novos blocos, os que já existiam crescem. O carnaval de rua, enfim, cresce e chama a atenção de interesses econômicos mais poderosos do que os vendedores ambulantes que costumam acompanhar a festa.

É aí que entra o “choque de ordem”. Para dar um sentido único e padronizado nos diversos interesses de lucrar em cima da festa, a prefeitura tem feito a sua parte. Fechou negócio com a Ambev (uma das grandes monopolistas internacionais da indústria de bebidas), que escolheu uma de suas cervejas para ser o centro da propaganda nestes espaços. É a cerveja oficial do carnaval de rua, e a cor oficial deste é azul. Estimam vender, ao menos, 8 milhões de latas para os 2,5 milhões de foliões esperados. Cadastrou todos os ambulantes autorizados a participarem do carnaval de rua, o que permite a repressão a todos os que não conseguiram ou não puderam ser cadastrados. Neste ponto insere-se a Secretaria de Ordem Pública (SEOP), dirigida por Rodrigo Bethlem, responsável pela articulação direta entre a defesa dos interesses econômicos monopolistas e a repressão. Em troca, a Ambev precisa espalhar banheiros públicos e cartazes ou banners “educativos” pela cidade.

O caso que mais teve repercussão pública – acredito – quanto a esta política agressiva da prefeitura do Rio foi o dos quiosques nas praias do Rio de Janeiro. Sob a rubrica do “choque de ordem”, diversas medidas têm sido realizadas para atender a determinados interesses. A privatização monopolista das praias fica clara com o cadastro dos “barraqueiros” e a cessão do direito de uso dessas barracas de toda a orla a uma única empresa - a mesma que possui grande parte dos quiosques de toda a orla - e os ambulantes acabam completamente dominados pelos interesses desta empresa. Algumas empresas de bebidas têm disputado o monopólio da exploração das praias do Rio, e parece que a Ambev também tem saído na frente.

É o verdadeiro caráter do “choque de ordem”: por um lado, o atendimento do Estado aos interesses privados dos monopólios capitalistas; por outro, a repressão a todas as formas de sobrevivência que fujam a estes interesses.

Trecho da letra do samba “Choque de Ordem”, de Beto Matos

“Vinha com a vida aprumada

E uma crioula arrumada

Desconhecendo o perigo

Quando gritaram: ‘Olha o Rodrigo’

‘Ele é pior que o Padilha

Toma cuidado minha filha

Vê se te esconde rapaz’

Eu disse: ‘Calma, ele é de Paes’

Apreendeu meus breguetes

Rebocou meu Chevette

Como é que eu vou trabalhar?

Vocês não vão acreditar

Derrubou minha quitinete

E a aburguesada da Susete

Não quer nem me ouvir falar”

“Mas você é um chato que não gosta de carnaval!”... Como dizia Elton Medeiros, “não quer dizer que não vou brincar”, “eu vou me divertir, na certa eu vou sambar”. Não é porque é carnaval que podemos esquecer as ações do governo Paes em sua gestão, sua agressiva política privatista nos mais diversos setores públicos e a repressão ao trabalho das classes mais pobres e desprotegidas por legislação trabalhista específica. Também é um momento, portanto, para compreender esta política, ao mesmo tempo em que se pensa e constrói projetos e ações para combatê-la.

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Pequena homenagem a grandes sambistas:





quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Complementando, sobre Boris Casoy...




O blog Cloaca News resgatou reportagem da antiga revista O Cruzeiro que relaciona o jornalista ao CCC. Vale dar uma lida: http://cloacanews.blogspot.com/2010/01/exclusivo-boris-casoy-e-o-comando-do.html

sábado, 2 de janeiro de 2010

2010

O ano de 2010 se inicia. Como em todo início de ano, bilhões de pessoas no mundo fazem promessas para cumprir no novo período, acreditando que a simples mudança de data no calendário pode ativar ou re-ativar alguma nova energia dentro de si. A concretização desse blog é, em alguma medida, produto dessa crença. Espero que, ao menos no período de férias, consiga publicar aqui com alguma frequência, algo que já pensava fazer desde alguns meses, mas não conseguia realizar.

A festa de comemoração de início do novo ano é parte das tradições da humanidade, muito já se estudou sobre isso. A confraternização, a renovação das esperanças, as possibilidades de abrir-se para o novo, são coisas positivas. Até gosto, mesmo que nem sempre enxergue muito sentido e tenha muita vontade de comemorar a passagem de um dia para o outro, o nascimento de um novo dia – em princípio, só mais um dia.

Porém, algo que ficou marcado neste réveillon, ao menos para alguns, foi o outro lado da festa. Vou dedicar algum espaço a este outro lado da festa, humildemente tentando fazer alguma homenagem. Refiro-me, inicialmente, a todos aqueles que não puderam comemorar porque estiveram trabalhando para que toda a festa saísse perfeita, ou o mais perto disso. Mais especificamente aqueles que trabalharam não para ganhar milhões ou milhares na noite da virada, mas por pequenas quantias mesmo, algo que se ganha para manter sua sobrevivência básica: garçons, cozinheiras, garis, vendedores de rua, os que cuidaram da segurança e tantos outros que passaram a noite um pouco mais distante do espírito da comemoração.

Bom, estava no Orkut, visitando a comunidade de Professores do Estado do RJ, e encontrei o tópico “Boris Casoy humilha lixeiros”. O tradicional “âncora” de diversos telejornais da grande mídia brasileira, que tem uma história bastante controversa (serviços prestados ao regime militar de 64 e acusação de colaboração com o CCC), disse o que boa parte da elite burguesa, latifundiária e classe média brasileira pensam: "Que m****... dois lixeiros desejando felicidades... do alto de suas vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala do trabalho...". Fui buscar alguma notícia sobre o assunto em portal eletrônico – é óbvio, nada melhor que o Google para isso. Uma delas, a do Yahoo, tem como título “Boris Casoy comete gafe e humilha garis ao vivo”, ou seja, entende-se que a gafe foi ter humilhado garis ao vivo (se tivesse sido em off, tudo bem, seria normal...). A sociedade é dividida em classes e, no entendimento do jornalista, é papel dos meios de comunicação reafirmar esta divisão: garis não podem ter destaque, por mínimo que seja, na TV.

É impossível não lembrar, também, dos deslizamentos e enchentes que provocam tantas vítimas, até mesmo fatais, e não pensar sobre os caminhos que a humanidade tem percorrido que acabam facilitando a ocorrência destes acidentes, desde ocupações de encostas de modo totalmente precário em relação a condições básicas de sobrevivência humana (em geral, situação dos trabalhadores mais pobres) à destruição da natureza provocada pela irracional lógica de produção capitalista.

Que 2010 seja um ano ótimo para todos nós, sabendo que um ano ótimo não se faz de esperança (do ato de esperar), mas sim de ações concretas. E que, em breve, todos aqueles que não puderam ou não tiveram o que comemorar possam fazê-lo.