quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O carnaval e o "choque de ordem"

Já é a semana do carnaval – na verdade, do seu início oficial, pois o pré-carnaval já rola há algum tempo. O carnaval deste ano parece ter um caráter nitidamente diferente de anos anteriores, particularmente no que diz respeito à inclusão definitiva do “carnaval de rua” na pauta do “choque de ordem” da prefeitura do Rio de Paes.

A mercantilização do carnaval já é tema batido nas discussões carnavalescas e visível há tempos, o que tem feito – coisa já de muitos anos – diversos sambistas das gerações mais antigas, acostumados a uma relativa independência em relação aos interesses capitalistas e ao caráter popular da festa, se afastarem da celebração oficial do carnaval. Um deles é Elton Medeiros, que compôs a belíssima "Sem Ilusão" (está logo abaixo). Essa percepção é clara no que diz respeito ao carnaval oficial das escolas de samba e tal, desde que se distingue este tipo do “carnaval de rua”.

Sem Ilusão (Elton Medeiros)
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A novidade deste ano, a julgar pelo que é possível observar no “carnaval de rua”, parece ser a agressiva mercantilização, também, deste tipo. Há alguns anos, o “carnaval de rua” andava bem esquecido, quase todo mundo queria viajar, ir para a região dos lagos – no caso do RJ. Isto tem mudado bastante nos últimos anos. Todo ano surgem novos blocos, os que já existiam crescem. O carnaval de rua, enfim, cresce e chama a atenção de interesses econômicos mais poderosos do que os vendedores ambulantes que costumam acompanhar a festa.

É aí que entra o “choque de ordem”. Para dar um sentido único e padronizado nos diversos interesses de lucrar em cima da festa, a prefeitura tem feito a sua parte. Fechou negócio com a Ambev (uma das grandes monopolistas internacionais da indústria de bebidas), que escolheu uma de suas cervejas para ser o centro da propaganda nestes espaços. É a cerveja oficial do carnaval de rua, e a cor oficial deste é azul. Estimam vender, ao menos, 8 milhões de latas para os 2,5 milhões de foliões esperados. Cadastrou todos os ambulantes autorizados a participarem do carnaval de rua, o que permite a repressão a todos os que não conseguiram ou não puderam ser cadastrados. Neste ponto insere-se a Secretaria de Ordem Pública (SEOP), dirigida por Rodrigo Bethlem, responsável pela articulação direta entre a defesa dos interesses econômicos monopolistas e a repressão. Em troca, a Ambev precisa espalhar banheiros públicos e cartazes ou banners “educativos” pela cidade.

O caso que mais teve repercussão pública – acredito – quanto a esta política agressiva da prefeitura do Rio foi o dos quiosques nas praias do Rio de Janeiro. Sob a rubrica do “choque de ordem”, diversas medidas têm sido realizadas para atender a determinados interesses. A privatização monopolista das praias fica clara com o cadastro dos “barraqueiros” e a cessão do direito de uso dessas barracas de toda a orla a uma única empresa - a mesma que possui grande parte dos quiosques de toda a orla - e os ambulantes acabam completamente dominados pelos interesses desta empresa. Algumas empresas de bebidas têm disputado o monopólio da exploração das praias do Rio, e parece que a Ambev também tem saído na frente.

É o verdadeiro caráter do “choque de ordem”: por um lado, o atendimento do Estado aos interesses privados dos monopólios capitalistas; por outro, a repressão a todas as formas de sobrevivência que fujam a estes interesses.

Trecho da letra do samba “Choque de Ordem”, de Beto Matos

“Vinha com a vida aprumada

E uma crioula arrumada

Desconhecendo o perigo

Quando gritaram: ‘Olha o Rodrigo’

‘Ele é pior que o Padilha

Toma cuidado minha filha

Vê se te esconde rapaz’

Eu disse: ‘Calma, ele é de Paes’

Apreendeu meus breguetes

Rebocou meu Chevette

Como é que eu vou trabalhar?

Vocês não vão acreditar

Derrubou minha quitinete

E a aburguesada da Susete

Não quer nem me ouvir falar”

“Mas você é um chato que não gosta de carnaval!”... Como dizia Elton Medeiros, “não quer dizer que não vou brincar”, “eu vou me divertir, na certa eu vou sambar”. Não é porque é carnaval que podemos esquecer as ações do governo Paes em sua gestão, sua agressiva política privatista nos mais diversos setores públicos e a repressão ao trabalho das classes mais pobres e desprotegidas por legislação trabalhista específica. Também é um momento, portanto, para compreender esta política, ao mesmo tempo em que se pensa e constrói projetos e ações para combatê-la.

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Pequena homenagem a grandes sambistas:





5 comentários:

  1. Nem todos se submeteram a essa política de controle de blocos. O Boi Tolo não se inscreveu para cadastro na prefeitura e vai sair mesmo assim.
    Daqui a pouco até cordão de isolamento vão colocar...

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  2. mais em:http://www.carnavalnorio.blog.br/1224/2010/02/conversa-de-bar-gira-em-torno-de-carnaval-e-direitos-autorais/

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  3. Acho bem importante a criação de ligas de blocos opostas à Sebastiana, já incorporada à lógica do capital, mas ainda é necessário um bom esforço de politização pra não cair em certos preconceitos. Na faixa deles dizia "contra a bahianização do carnaval carioca"; claro que "bahianização" refere-se ao que vemos do carnaval de Salvador hoje, aquela coisa completamente padronizada, os abadás etc., mas não esclarece minimamente o processo que atende aos grandes interesses econômicos e, ainda, pode acabar reforçando preconceito em relação à Bahia ou aos bahianos, pois a questão não é a região ou o estado.

    Mais leitura crítica do carnaval em http://alemdotrivial.blogspot.com/2010/02/quanto-riso-oh-quanta-alegria.html

    A melhor música do carnaval que presenciei foi do Rancho Flor do Sereno, homenageado no http://11danoite.blogspot.com/2010/02/regresso-da-flor-jayme-vignoli-aldir.html

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. o Boi Tolo ao mesmo tempo que colocava essa questão da Bahia também levantou cartazes contra o choque de ordem, isso não pode ser simplesmente descartado

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